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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Documentário; O Casamento e o Amor na Idade Média



O Casamento e o Amor na Idade Média

Fonte: http://www.milenio.com.br/ingo/ideias/hist/casament.htm

INTRODUÇÃO
Até hoje foram escritas muitas obras relativas ao casamento na Idade Média. Mas atualmente um aspecto relativo ao casamento vem ganhando importância: a existência ou não de um sentimento que une os cônjuges, hoje conhecido como o amor. Os casamentos medievais envolviam algum sentimento afetivo entre os cônjuges? Uma questão muito difícil de responder. Grande parte das obras sobre casamento muitas vezes não dedicam duas páginas sequer ao assunto e, se o fazem, tratam-no muito vagamente, não dando a devida importância, referindo-se apenas às obras sobre o amor cortês que, como veremos adiante, não representava fielmente a realidade, era apenas uma literatura.
Como escreveu James Casey:

"Este é um tema importante, mas que pode ser afastado simplesmente com o argumento de que é periférico com relação à "realidade" do casamento arranjado, ou de que é muito difícil de investigar cientificamente, dadas as suas ambigüidades."[1]

Realmente o casamento arranjado exerceu uma maior influência nas sociedades da Idade Média, mas numa pesquisa não se pode deixar de lado a realidade. Ignorar o amor no casamento seria fechar os olhos para uma minoria, a qual não exerceu papel tão importante quanto a maioria (casamentos arranjados), mas que fez parte do passado, portanto tem a sua história.
Ainda com James Casey:

"A conduta moral não é um ramo autônomo do comportamento humano, mas precisa ser associada ao contexto social, àquelas estruturas econômicas e políticas que modelam e limitam seu desenvolvimento."[2]

Portanto os fatos não acontecem por acaso. Estão envolvidos no contexto de sua época e, assim, merecem importância desde o maior até o menor para poder-se entender a sociedade do passado em aspectos cada vez mais exatos.
Para entender melhor o amor no casamento existem vários temas específicos que, se forem analisados, podem fornecer boas conclusões. A questão do dote, da herança, as limitações e influência da Igreja, o relacionamento entre os cônjuges, os raptos, a fidelidade, o incesto, as condições das núpcias são alguns dos temas que ajudaram bastante na interpretação do amor medieval e a conseqüente conclusão deste trabalho.

Há de se ressaltar que a bibliografia consultada baseia-se em registros das classes mais altas. Mesmo assim não há abundância de documentos. Os príncipes tinham pessoas que relatavam suas grandes realizações e aí o amor entra poucas vezes. E essas poucas vezes são bastante deturpadas pois se um desses escritores quisesse deturpar a imagem de um príncipe dizia que este era dominado pela esposa, desvirilizado, destituído de sua necessária preeminência e tudo isso devido à sua imaturidade. Caso os escritores fossem favoráveis a um príncipe, este é retratado como alguém que sente grande afeição pela esposa, sempre bela, sempre nobre e por ele deflorada e, quando esta morre, o viúvo fica desolado.
Desse modo não é possível determinar até que ponto o amor existia, afinal uma pessoa, apesar de ser alvo de críticas, na verdade poderia amar sua esposa e vice-versa. Sendo assim esses textos têm um sentido "ideológico" que deturpam toda a imagem de alguém - inclusive na vida afetiva, conseqüentemente na vida pública - ou exaltam-na.[3]

SÉCULOS IX e X
Nos séculos IX e X as uniões matrimoniais eram constantemente combinadas, sem o consentimento da mulher que, na maioria das vezes era muito jovem. Sua pouca idade era um dos motivos da falta de importância que os pais davam à sua opinião. Diziam que estavam conseguindo o melhor para ela. Essa total falta de importância dada à opinião da mulher resultava muitas vezes em raptos. Como o consentimento da mulher não era exigido, o raptor garantia o casamento e ela deveria permanecer ligada a ele, o que era bastante difícil pois os homens não davam importância à fidelidade. Isso acontecia, talvez principalmente pelo fato de a mulher não poder exigir nada do homem e de não haver uma conduta moral que proibisse tal ato.
Outras vezes o rapto serviu como um meio de fugir dos casamentos arranjados. A jovem que tinha um casamento já marcado forçosamente, sem seu consentimento, com um homem que sequer conhecia, simulava um rapto fugindo com seu homem desejado e acabavam por casarem-se e, mais tarde, o fato às vezes chegava a ser reconhecido pelas famílias. É inegável aí a existência do atractio, uma atração entre o casal. A fuga de um casamento forjado era algo grave para as famílias pois envolvia muitas riquezas, portanto deveria haver um forte motivo para os fugitivos.
As etapas de um casamento normal, que não envolvia raptos, nos séculos IX e X eram as seguintes:



Petitio - pedido da noiva pelos pais do noivo
Desponsatio - o entendimento das famílias sobre a ligação de seus filhos
Dotatio - entendimento sobre o dote
Traditio - entrega da jovem ao seu noivo pelos pais
Publicae nuptiae - cerimônia do casamento
Copula carnalis - união carnal



Essas etapas eram feitas entre os pais. O desponsatio pode ser entendido como um noivado, mas sempre sem consentimento algum nessa época, pois os filhos eram ainda crianças, com cerca de sete anos de idade, sem idade para decisões. Os acertos sobre o dote eram feitos no dotatio e também ficava estipulado que, após as crianças crescerem e atingirem a idade de tomar suas próprias decisões, se o casamento não se realizasse por rebeldia de algum, haveria uma espécie de multa paga pela família da pessoa que desistisse do casamento. Isso constituía mais uma pressão sobre os futuros noivos para a realização do casamento. Portanto, casamento era uma questão resolvida entre os pais (homens, sem as mães). A entrega da jovem (traditio) acontecia anos após as três primeiras etapas, quando as crianças já tivessem atingido a idade de aproximadamente doze ou quatorze anos. Então a cerimônia era feita e após isso realizava-se a união carnal. Havia também a possibilidade do casamento ser arranjado entre o pai da noiva e um cavaleiro, que seria o futuro noivo. Tudo isso era um obstáculo para o surgimento da caritas (caridade) no casamento, principalmente pela ausência total da importância da opinião da noiva.
Nessa época, a Igreja ainda não participava efetivamente dos casamentos. Devido a essa falta de regulamentação eclesiástica, teólogos e pastores carolíngios davam maior importância ao ato sexual, isto é, à última etapa do casamento, a copula carnalis.
Hincmar, bispo de Reims dizia que "sem a cópula não existe casamento". Mesmo considerando que a seqüência deveria ser respeitada, essa importância dada à cópula acabava favorecendo os raptos pois bastava aos raptores terem uma relação sexual com a mulher para consolidarem os laços matrimoniais.
Pode-se perceber neste período da Idade Média a falta de importância do amor no casamento. Sem uma instituição efetivamente participativa na vida social das pessoas - como a Igreja será nos séculos seguintes - , ou sem uma regra estabelecida, o casamento era feito de qualquer modo, apenas obedecendo à seqüência do petitio à copula carnalis, caso não houvesse um rapto.
O mais importante aí era casar-se com alguém de mesmo nível social ou mais alto para poder aumentar as riquezas das famílias e, conseqüentemente exercer maior poder.



A EVOLUÇÃO DO AMOR

A Reforma Gregoriana (1050 - 1215) mudou rapidamente o comportamento da Igreja frente a vários aspectos, inclusive os casamentos. Aconteceram várias discussões para decidir as concepções que a Igreja teria acerca de certos assuntos. Sobre o casamento houve, entre outros, o debate entre os clérigos Pedro Lombardo e Graciano.
O primeiro defendia a idéia de que o casamento deveria ser um contrato, as palavras ditas à frente de testemunhas na hora do casamento é que deviam unir o casal. As promessas e palavras ditas antes do casamento não efetuavam a união dos cônjuges.
O segundo, Graciano, dizia que a intenção é mais importante que as palavras, portanto a união poderia realizar-se mesmo antes do casamento. A promessa de um casamento e a relação sexual já equivaleriam ao matrimônio.
Finalmente, no Concílio de Latrão (1215) foi decidido que o casamento seria um contrato público, idéia defendida por Pedro Lombardo. Porém a intenção era vista como aspecto mais importante, como dizia Graciano. Um exemplo disso é que os casamentos realizados secretamente passaram a ser considerados válidos, apesar de ilegais, isto é, a intenção aí realizava o matrimônio, mesmo sendo um meio ilegal.
Outra atitude tomada pela Igreja durante as reformas, relativa ao casamento, é estabelecer-se como a única instituição a legislar e julgar sobre a matéria. Assim, várias concepções laicas são extintas para dar lugar à concepção eclesiástica. Uma dessas mudanças é a condição do casamento. No final do século XI e no século XII o consentimento mútuo do casal passa a ser exigido pela Igreja. "Teólogos, canônicos, moralistas, todos os pensadores dos anos 1100 - 1140, raramente unânimes no resto, concordaram pelo menos, maioritariamente, neste ponto: o consentimento era absolutamente prioritário quer aos ritos sagrados, quer à publicidade, até mesmo à cópula"[4]. Apesar disso a negação de um homem por parte da noiva poderia ser censurada facilmente e, mesmo contra sua vontade, acabava casando-se, por ordem do pai.[5]
Um meio mais eficaz para a mulher escapar de um casamento arranjado era seguir a vida religiosa. "Negavam [o casamento] por amor a Deus". Esse tipo de negação do casamento era "motivo de louvor, pois desejava a castidade"[6], algo de muita importância para a Igreja. Mas mesmo alegando o amor a Deus, muitas dessas mulheres também acabavam se casando.
Portanto, quando os pais da noiva estavam convictos da realização do casamento, não havia como escapar. Nem por vontade própria, dizendo que amava outro, nem através da religião, alegando amor a Deus. Pode-se, assim, perceber a permanência da falta de importância dada ao amor, seja entre cônjuges ou o amor de uma mulher por Deus
Com ou sem consentimento dos noivos, o casamento envolvia tanto leigos como eclesiásticos e ambos davam diferentes importâncias ao matrimônio. O modelo leigo visava a herança, levava em conta os bens dos cônjuges para não cair na pobreza futuramente. Relativo à herança observa-se o grande número de casamentos entre primos. Isso visava a concentração das riquezas de uma mesma família. Esse tipo de casamento exigia também, por parte das famílias, não ter muitos filhos, pelo mesmo motivo: não dissipar a riqueza da família. Quando houvesse mais de um filho, somente o primogênito tinha parte na herança, enquanto que os demais eram incentivados ao celibato transformando-se em monges ou cavaleiros.[7]
Porém a Igreja estabeleceu proibições ao casamento entre parentes, que ia a graus extremamente distantes, o que dificultava ainda mais a escolha do cônjuge. Após essa regra imposta pela Igreja pôde-se observar muitos casamentos realizados logo nos primeiros graus de consangüinidade permitidos, o que revela que o costume de casar parentes mais próximos possíveis não desapareceu e, apesar disso tudo, não se sabe até onde essas proibições foram levadas a sério[8]. Contudo, pode-se perceber aí a dificuldade de acontecer um casamento simplesmente por amor.

A Igreja tinha outra concepção para o casamento: reprimir o mal. Era uma forma de controle da devassidão dos leigos. Ela condenava o prazer nas relações sexuais e, portanto, considerava o casamento um mal menor, afinal dentro dele aconteciam as relações, porém, ao menos, sem prazer, apenas visando a procriação. Outra imposição da Igreja era a proibição das relações sexuais nos dias sagrados. Para conseguir essa proibição a instituição utilizava-se do medo das pessoas alegando que as crianças com anomalias eram concebidas em tais dias: "os monstros, os estropiados, todas as crianças doentias, sabe-se muito bem, foram concebidos na noite de domingo"[9].
De acordo com a Igreja, a alma e o corpo da mulher pertencem a Deus e a partir do momento em que ela se casa, o marido toma posse apenas do corpo, podendo, assim, fazer o que bem entender com ele. Já as mulheres não tomavam posse do corpo do marido, só lhes devia obediência total, o debitum, mais especificamente o dever de ter relações com seu marido. Apesar de contrariar a Igreja - pois esta condenava as relações sexuais que não objetivavam a reprodução - se a mulher recusasse o debitum ao marido, este teria um motivo para praticar o adultério, o que seria ainda mais grave. "O amor do marido por sua mulher se chama estima, o da mulher por seu marido se chama reverência"[10]. Nota-se aí um grande contraste nas relações entre marido e mulher. Um não deveria sentir o mesmo que o outro. Assim como as tarefas diárias, os sentimentos também eram divididos diferentemente entre homens e mulheres.

Além de tudo, as jovens recém-casadas saíam de casa com pouca idade para viverem com um homem que sequer conheciam e muitas vezes tinham que sujeitar-se às mais variadas violências e humilhações, eram repudiadas e abandonadas. Isso acontecia devido à inexperiência e desconhecimento completo das mulheres que não sabiam até que ponto deviam sujeitar-se aos maridos[11].
Os casos em que a mulher negava ter relações sexuais com o marido e este respeitava a postura de sua esposa eram motivo de risadas. O homem que não tinha relações com sua mulher nunca poderia ser considerado um senior.
O amor que deveria existir entre o casal, segundo a Igreja, era o amor ao próximo, a caridade, sem o desejo carnal. No século XII São Jerônimo dizia que "aquele que ama a sua mulher com um amor demasiado ardente é um adúltero"[12]. A união para satisfação do dever conjugal era considerada pecaminosa pois visava apenas o carnal, o desejo. O ideal seria a união numa intenção procriadora (superior), que multiplicaria os filhos de Deus.
Clérigos como Huguccio condenavam o prazer sentido até mesmo nas relações que visavam a procriação. Relações sexuais inadequadas eram consideradas antinaturais. Isto é, relações inadequadas eram aquelas feitas em posições sexuais que não favorecem a chegada do esperma até o óvulo, como por exemplo a mulher em posição vertical. A sodomia também era terminantemente proibida pela Igreja.

O casamento, portanto, não deveria ser o lugar para o amor carnal ou a paixão. Na realidade, casamento era uma instituição que visava a estabilidade de uma sociedade, servindo apenas para a reprodução e união de riquezas, assim, dando continuidade à estrutura. A partir do momento em que o amor aparece no casamento, esses pilares (reprodução e união de riquezas) passam a um segundo plano, ameaçando toda essa estrutura. Quando um casamento acontece simplesmente por amor, não há mais interesse a priori em reprodução ou união de riquezas.
Porém, segundo clérigos e monges, apesar das proibições da Igreja, a afeição, a ternura, o amor e a felicidade entre os cônjuges não eram prejudicados. Partiam do exemplo da Virgem Maria e José que, mesmo sem terem relações foram felizes, apenas amando-se, cooperando-se e sendo fiéis um ao outro. O amor verdadeiro, na opinião de monges e clérigos menos radicais, é aquele em que o sexo está na posição de subordinado, não prioritário, pois esse é o amor que aproxima-se da caridade, portanto, de Deus. O amor, a afeição, eram muito mais uma conseqüência do casamento do que uma causa[13].

O século XII é marcado por uma grande mudança em vários aspectos da Idade Média. O casamento e o amor não são excessões. Já pode-se observar mudanças nas concepções sobre o amor no casamento com o monge Bernardo de Clairvaux: "o amor não requer nenhum outro motivo, além de si mesmo, e não busca frutos. Seu fruto é o gozo de si próprio"[14]. Nesse mesmo período surgem as histórias do "amor cortês".
Essas histórias, ao mesmo tempo em que divulgam o amor carnal, material, também reforçam a imagem do amor proibido, e que, portanto, não deveria existir no casamento, considerado sagrado. "O amor cortês foi antimatrimonial"[15]. A exemplo do "Romance de Tristão e Isolda", o amor carnal existe, é mostrado durante quase todo o romance, porém esse amor tem um preço. Nenhum dos dois amantes podem viver juntos sem os perigos. Se querem livrar-se dos perigos devem separar-se e, a morte de ambos não aconteceria ao final se não tivessem envolvido-se. O amor na literatura "é algo de extraordinário poder, que termina por destruir as pessoas; não representa um modelo para a conduta social"[16]. "Este amor repleto e alegre, não será no elo institucional do casamento, sempre de acordo com nossos autores, que podemos encontrá-lo, salvo raras exceções. Evidentemente, o casamento impõe-se como uma instituição indispensável, e até feliz, mas não é o local do amor...Os amores preenchidos, os amores triunfantes, nos romances e nos contadores de histórias, são amores ilícitos, os da juventude e da beleza."[17] Assim, apesar de toda a divulgação do amor, ele continuou vivendo como "fora da lei".
De qualquer modo, o "amor cortês", na realidade, foi um meio de educar os cavaleiros, civilizá-los, apenas um jogo. A mulher servia simplesmente de "chamariz". O seu senhor utiliza-se dela para conduzir o jogo, oferecendo-a como o prêmio ao vencedor. Adjetivos como a fidelidade ao senhor são exaltados nessas histórias. Como um senhor muitas vezes tinha muitas mulheres, este era extremamente favorecido devido ao grande número de cavaleiros que ficavam às suas ordens. Assim, as histórias do "amor cortês" tinham como objetivo principal estabelecer uma conduta moral aos cavaleiros principalmente perante o senior.

Já na primeira parte do Roman de la Rose, escrito por Guillaume de Lorris, o amor dentro do casamento começa a ter lugar. O amor começava a ser uma condição boa para o casamento. Esposas infelizes, desprezadas começam a procurar consolação fora de casa, com outros homens. O mundo ia tornando-se mais liberal, mesmo que contra a vontade da Igreja. Adultérios, pecados entre cônjuges, contracepções, parecem acontecer com maior freqüência. Isso mostra uma exaltação dos sentimentos do indivíduo que para satisfazer-se corre atrás dos seus objetivos, mesmo indo contra a Igreja ou contra o comportamento social padrão.
Neste mesmo período a nobreza tem um enriquecimento e, assim, torna-se mais liberal perante os filhos. O medo de dissipar as fortunas devido ao grande número de filhos vai desaparecendo e as famílias começam a permitir o casamento dos filhos que não quisessem seguir a carreira eclesiástica.
Os cavaleiros perdem a exclusividade no manejo das armas. Pessoas mais simples aprendem a manejá-las, tornando-se mercenários e soldados que acabam sendo contratados pelos príncipes. A única diferença do cavaleiro passa a ser a capacidade de "praticar jogos do amor"[18].
Outra mudança importante no século XII é a "invenção" do casal, onde deveria haver uma cooperação, a amizade, "uma harmoniosa associação para gerir o negócio comum"[19], isto é, para gerir a casa, o espaço privado em que os sentimentos ganhavam espaço. Assim começava a nascer um sentimento entre os cônjuges. Tornava-se comum ver pessoas tristes pela morte do seu companheiro. "Há uma aproximação no seio do casal"[20].
A seleção de um marido não deixou de levar em conta o dote, o meio social do pretendente, a profissão, a qualidade de sua casa, a sua linhagem, mas a opinião da futura esposa tornava-se crucial para a realização ou não do casamento.



FINAL DA IDADE MÉDIA

Já nos fins da Idade Média, aproximadamente no século XV, na literatura, surgem casais que apesar de fazerem uso carnal do casamento, seguiam as normas da vida cristã e respeitavam suas regras. Esse tipo de atitude era aceitável, porém não era a ideal para a Igreja.
Apesar de algumas mudanças desde o século XII, e uma maior tolerância por parte da Igreja, nos finais da Idade Média o amor carnal continuou sendo condenado, visto como algo proibido, sobretudo dentro do casamento.
Essa concepção pode ser vista nas obras de Hieronymus Bosch (1450 - 1516). Aparentemente um homem bastante religioso, portanto, certamente, um defensor da visão eclesiástica. Suas obras foram feitas durante o fim do século XV e início do XVI, um período que marca o fim da Idade Média. Na sua Távola dos Sete Pecados Capitais e as Quatro Últimas Coisas (aproximadamente de 1490) a figura que representa a luxúria merece destaque. Nela aparecem, "os dois casais de amantes divertindo-se em uma tenda de rico brocado, entretidos em um jogo amoroso formal como prelúdio à expressão completa de sua paixão. O pecado mortal da luxúria, o pecado original pelo qual o homem foi essencialmente condenado, traz consigo a incitação adicional de prazer e dor, sugeridas pelo bobo e pelo palhaço. Outros símbolos são a lira, associada à música do amor, e o vinho, que flui livremente, libertando os amantes das restrições"[21].
Outra obra é O Carro de Feno, formado por três painéis. O primeiro representa o paraíso, o segundo a terra e o terceiro o inferno. No painel central encontra-se o carro de feno com alguns personagens em cima. "Dois casais de amantes ilustram o pecado sempre presente da luxúria. Ao seguirem a música, símbolo de auto-indulgência, nesta vinheta idílica, suas almas são contestadas pelo anjo em prece à esquerda e pela música sedutora do demônio à direita"[22]. Por trás dos amantes que estão em primeiro plano, "um segundo par de camponeses beija-se nos arbustos em um prelúdio bucólico ao ato de amor"[23]. Além disso, o carro de feno em que os amantes estão vai em direção ao terceiro painel, isto é, ao inferno.
Isso tudo mostra como a concepção do amor proibido permanecia forte nos finais da Idade Média. Até mesmo na Época Moderna o amor continuou a ser encarado como algo não muito bom e não chegou a ser tão importante para a realização de um casamento[24], apesar do consentimento ganhar cada vez mais espaço até tornar-se o principal passo para a união de um casal.



CONCLUSÃO

Através desse trabalho pode-se perceber que o amor, inicialmente, não tinha praticamente nenhuma importância para a realização de um casamento. Foi com a participação da Igreja que o amor teve a chance de manifestar-se através do consentimento, apesar deste não ser fator determinante para a realização ou não do casamento. Um tanto paradoxal esta proposição, pois a Igreja, ao mesmo tempo que começou com a idéia de consentimento, também proibiu o amor carnal no casamento. E, mesmo a Igreja sendo talvez a maior influência do mundo medieval, nem todos seguiam seus dogmas e foi, graças a isso, que o amor pôde aparecer mais e mais no decorrer do tempo.
As manifestações artísticas do século XII também ajudaram na popularização do amor carnal que, mesmo ainda não sendo retratado como algo bom, certamente acontecia na vida real. Seria absurdo dizer que todas as proibições da Igreja eram obedecidas. Como as leis atuais que são infringidas constantemente.
Apesar de uma maior escassez de informações sobre o amor no fim da Idade Média, pode-se constatar através das artes que a sua concepção não sofrera tantas modificações desde o século XII. E as poucas mudanças continuaram acontecendo mas sem nenhuma ruptura. A Idade Moderna, com todo o glamour das cortes continuou a banalizar o amor, passando a priorizar a imagem que o casamento exerceria frente às pessoas.

NOTAS
[1] CASEY, James. A história da família. São Paulo : Ática, 1992. p. 107.

[2] Id. Ibid. p. 108.

[3] DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 29.

[4] BERNOS, Marcel; LÉCRIVAIN, Philippe; RONCIÈRE, Charles de La; GUYNON, Jean. O fruto proibido. Lisboa : Edições 70. p. 108.

[5] DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 31.

[6] Id. Ibid. p. 31.

[7] CASEY, James. A história da família. São Paulo : Ática, 1992. p. 95.

[8] DUBY, Georges; ARIÈS, Philippe. História da vida privada, 2 : da Europa feudal à Renascença. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. p. 128.

[9] DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 18.

[10] Id. Ibid. p. 58.

[11] Id. Ibid. p. 32.

[12] BERNOS, Marcel; LÉCRIVAIN, Philippe; RONCIÈRE, Charles de La; GUYNON, Jean. O fruto proibido. Lisboa : Edições 70. p. 111.

[13] DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 37.

[14] CASEY, James. A história da família. São Paulo : Ática, 1992. p. 121.

[15] LE GOFF, Jaques. A civilização do Ocidente medieval vol. 2. p. 117.

[16] CASEY, James. A história da família. São Paulo : Ática, 1992. p. 129.

[17] BERNOS, Marcel; LÉCRIVAIN, Philippe; RONCIÈRE, Charles de La; GUYNON, Jean. O fruto proibido. Lisboa : Edições 70. p. 141.

[18] DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 80.

[19] DUBY, Georges; ARIÈS, Philippe. História da vida privada, 2 : da Europa feudal à Renascença. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. p. 152.

[20] Id. Ibid. Inf.

[21] COPPLESTONE, Trewin. Vida e obra de Hieronymus Bosch. Rio de Janeiro : Ediouro, 1997. p. 15.

[22] Id. Ibid. p. 48.

[23] Id. Ibid. Inf.

[24] BERNOS, Marcel; LÉCRIVAIN, Philippe; RONCIÈRE, Charles de La; GUYNON, Jean. O fruto proibido. Lisboa : Edições 70. p. 172.

BIBLIOGRAFIA

BERNOS, Marcel; LÉCRIVAIN, Philippe; RONCIÈRE, Charles de La; GUYNON, Jean. O fruto proibido. Lisboa : Edições 70.

CASEY, James. A história da família. São Paulo : Ática, 1992.

COPPLESTONE, Trewin. Vida e obra de Hieronymus Bosch. Rio de Janeiro : Ediouro, 1997.

DUBY, Georges. Idade Média, idade dos homens : do amor e outros ensaios. São Paulo : Companhia das Letras, 1989.

DUBY, Georges; ARIÈS, Philippe. História da vida privada, 2 : da Europa feudal à Renascença. São Paulo : Companhia das Letras, 1990.


LE GOFF, Jaques. A civilização do Ocidente medieval vol. 2.


INTERNET
http://www.humanas.ufpr.br/grad/historia/prolicen/prolicen.htm
Matrimônio : Religiosidade e controle na Alta Idade Média, por Juliana M. Moares

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